O que é o art déco, estilo presente no desfile de Reinaldo Lourenço para SPFW47
O veterano Reinaldo Lourenço abriu a edição número 47 da São Paulo Fashion Week na última segunda-feira (22), com um desfile inspirado no art déco presente em Miami. O balneário é considerado o distrito do estilo que marcou época no início do século passado. Como frisou Pedro Diniz em sua resenha do desfile para a Folha de S.Paulo, Lourenço estampou os prédios em art déco em peças de alfaiataria e vestidos esvoaçantes. De todo o conjunto apresentado, o que mais chamou a atenção da imprensa especializada foi a referência ao estilo. Essa “ode” àquela expressão nos aciona o sinal vermelho de questionar: vai vir um movimento de revival do art déco? Mas o que seria isso?
Não podemos nos dar ao luxo de esquecer que não é nenhuma novidade o ir-e-voltar nas referências de moda. O que já esteve em alta numa época volta na atualidade com uma releitura mais moderna, refletindo as necessidades e comportamento do período. Acontece frequentemente: há dois anos revivemos os anos 1990; desde o verão passado estamos numa vibe bem anos 1980. Só olhar o entorno e as fotos antigas para comparar. E isso não acontece apenas na atualidade, não. No caso do art déco, já vivemos um movimento do tipo nos anos 1970, quando do revival da Era do Jazz.

O que é o art déco
Abreviação de “artes decorativas”, a expressão francesa se refere exclusivamente à arte que existia para decorar e não tinha qualquer funcionalidade. O estilo começou nos anos 1910, alcançou apogeu nos anos 20 e 30, e chegou ao declínio na transição para os anos 1940. A influência do art déco alcançou arquitetura e urbanismo, paisagismo, arquitetura de interiores, design, cenografia, publicidade, artes gráficas, caricatura, moda e vestuário. De acordo com o Museu de Arte Contemporânea da USP, o estilo passou a ser visto depois da Exposition Universelle des Arts Décoratifs et Industriels Modernes, em 1925. E segundo informações que encontramos no livro Graphic Design and Architecture, a 20th Century History: A Guide to Type, Image, Symbol and Visual Storytelling in the Modern World (2012), de Richard Poulin, a exposição é ainda hoje uma das feiras mais notáveis e influentes do século XX.
“Esse novo estilo visual dependia apenas dos princípios do design gráfico da simetria linear e da geometria, que era um distinto distanciamento das linhas fluidas assimétricas e orgânicas de seu antecessor, o art nouveau. Ele também se inspirou nas antigas formas gráficas e egípcias, babilônicas, maia e astecas”
(POULIN, 2012, p. 86).
O que caracteriza o art déco
A marca do estilo art déco é a valorização de elementos incomuns à cultura ocidental, indo de encontro ao cubismo. Aqui destacamos a presença de formas geométricas e artes abstratas. Em uma matéria publicada em 2013, Lilian Pacce destaca como característicos do estilo: simetria, linhas simples e formas geométricas; influência do Futurismo, Construtivismo e Modernismo (movimentos artísticos da época); influência de elementos exóticos para o mundo ocidental, e confecção de objetos com materiais de baixo custo, como baquelite, plástico e alumínio. Um desses elementos foi a cultura egípcia, após descoberta da tumba do faraó Tutancâmon. As estampas geométricas daquela cultura se tornaram um elemento da moda. No Brasil, o estilo convergiu com o modernismo nacionalista, e incorporou flora, fauna e motivos inspirados nas cerâmicas da cultura indígena Marajoara. O estilo art déco acompanha os Loucos Anos 20, como já dissemos.
Como o art déco influenciou a moda
Àquela altura dos anos 1910, a Belle Époque perdia força e com ela a silhueta feminina em ‘S’. O corpo bem marcado passou a dar espaço para linhas mais simples e retas. Lembram que o art déco passou por um revival nos anos 1970, com a releitura da Era do Jazz? Isso ocorre porque o ritmo pedia movimento, e essa liberdade feminina refletia também no cotidiano. As saias subiram até os joelhos, as bainhas eram desproporcionais, a silhueta esguia e garçonne – bem andrógina – respondia à necessidade das mulheres por roupas que lhe permitissem praticar esportes – hábito que se iniciava naquele período.

Foto: Reprodução / Pinterst
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Paul Poiret foi o primeiro costureiro a a abraçar o estilo, segundo documentado pela dissertação de mestrado de Kenia Cabral, sob orientação do professor doutor Aldo Litaiff. Segundo a pesquisadora, o termo art déco foi empregado pela primeira vez em 1968 por Bevis Hillier, e identifica uma estética presente dos anos 1909 a 1939. A grande divulgadora do art déco foi a tenista Suzanne Lenglen, sob a simplicidade das linhas de Jean Patou, que também seguia o estilo. Elsa Schiaparelli era outra estilista que aderiu ao estilo. De acordo com pesquisa de Mariana Seixas e Bianca Moretti, a ousadia da designer italiana fez surgir um conceito artístico para as roupas, que reivindicava ser valorizada como arte.
Já nos anos 1930, o art déco resistia com formas mais retas e sem qualquer demarcação do corpo com o surgimento de calças largas. Os pijamas de praia e os conjuntos-pijama perderam o status de roupa de esporte e praia, e ganharam o status de roupa de lazer. Falamos em resistência porque, naquela época de pós-quebra da Bolsa de Nova York, o glamour era valorizado a todo custo. Hollywood era um respiro de luxo e glamour ante o cenário de depressão.
Este é um exemplo bem nítido da relação entre arte e moda, de como uma sofre influência da outra e do quanto a moda quis um dia se aproximar da arte. Sem qualquer fundamentação política, o estilo era puramente decorativo. Era o lazer que importava. Também pudera, se considerarmos que o mundo havia acabado de vivenciar a Primeira Guerra Mundial. Faz parecer aquilo do “nos prendemos demais, nos privamos demais, então agora vamos relaxar”. Liberdades.
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A Belle Époque: Transformações urbanas, moda e influências no Rio de Janeiro
Art Déco – Museu de Arte Contemporânea USP
Mas afinal, o que é art déco? Lilian explica!
Graphic Design and Architecture, a 20th Century History: A Guide to Type, Image, Symbol and Visual Storytelling in the Modern World
Reinaldo Lourenço tenta dar verniz elegante à cafonice de Miami na SPFW
O livro da moda, Dorling Kindersley, 2014
Cronologia da Moda: de Maria Antonieta a Alexander McQueen, NJ Stevenson, 2012